Tópico 1

Sobre o cemitério dos unicórnios, um pomar de imensas proporções germinou. As árvores haviam crescido em fileiras exatas sobre um campo que, entrecortado por rios retilíneos onde nadavam graciosos cisnes, gerava uma paisagem geométrica, de exótica beleza e organização. Nas macieiras brotavam frutos grandes como girassóis. Eles eram metálicos, da cor prata, e assemelhavam-se muito à maçãs.

As criaturas conhecidas como humanoides foram os descobridores de tamanha maravilha, também podendo ser creditados por descobrirem as propriedades especiais desses misteriosos frutos. Deslumbrados pelo poder da cura, teletransporte e ressurreição agraciados pela substância doce e pegajosa como mel, além de azul e cristalina como se fosse safira líquida, que era encontrada sob a casca de metal das grandes maçãs, humanoides passaram a agir como se fossem um verdadeiro vírus, envenenando o pomar com sua sede interminável por conquista e dominação.

O local, ermo e distante, era vasto demais para ser devastado por completo, pelo menos assim parecia aos olhos dos humanoides, por isso o denominaram Jardim Eterno. Mas mal sabiam eles que, o tempo todo, entidades guardiãs semi conscientes os observavam. Através de delírios, visões e sonhos, espíritos conhecidos nas regiões planares como Apples (por terem suas almas trancafiadas dentro dos frutos da Macieira Mãe, aquela que cresceu sobre o túmulo do Unicórnio Rei), convocaram com seus poderes milenares uma raça superior aos humanoides, para que pudesse assim livrar seu pomar da devastação.

A nova raça foi chamada por seus criadores de gulliver. Os gullivers eram semelhantes aos seres inferiores, mas suas proporções corporais seguiam as colossais dimensões do jardim. Mesmo que muitos humanoides gastassem seus maiores esforços na tentativa de destruir um gulliver, parecia impossível vencer uma batalha. Nessa era, o cemitério dos unicórnios tornou-se um campo de guerra onde reinava a destruição e caos.

Vendo que a tentativa de proteger suas terras foram terrivelmente frustradas, os espíritos anciões Apples convocaram uma terceira raça. Dotados de gigantescas asas plumosas e corpo luminoso como a luz pálida do sol em dias cinzas, as criaturas conhecidas como anjos foram encarregadas de criar uma grade de adamante (o metal mais precioso) em torno do Jardim Eterno. A guerra ao lado de dentro só teve fim quando o último humanoide padeceu, morrendo com honra no campo de batalha ao enfrentar sozinho dois gullivers, que acabaram por lhe oferecer uma morte trágica, poética, digna de contos épicos.

Fadados a ficarem presos para sempre no paraíso perdido, os gullivers se tornaram imensamente infelizes. Dominados pela ambição e sede de vingança, os humanoides juntaram inúmeros exércitos para o grande dia da revanche. A terceira raça, profundamente desgostosa com o que aquilo que defendiam havia se tornado, voaram para longe e tornaram-se criaturas raras, praticamente extintas, numa próxima era, seriam apenas lendas.

Quando a guerra estava prestes a começar, os espíritos guardiões presentearam os guerreiros, tanto os superiores, quanto inferiores, com uma visão que fez o mundo parar. "O mais valoroso guerreiro humanoide tornará-se um gulliver" disse uma voz, que não era masculina, nem feminina, era como a voz da natureza, semelhante ao som do choque de ondas do mar "O mais poderoso gulliver tornará-se um anjo, pois atingirá o nível máximo de poder contido numa alma. Matar um inferior, ou superior, o fará assassino de seu próprio povo. Pois vocês são, sempre foram e sempre serão iguais."

Tomado por adrenalina, o guerreiro humanoide mais habilidoso sacou sua espada e correu na direção de um gigantesco gulliver. Com um grito de guerra, outros guerreiros o seguiram, mas apenas ele, o primeiro de todos, teve o corpo invadido por uma overdose de poder. Envolto por uma luz verde e brilhante, sua estrutura pequenina tornou-se grande como uma muralha, e, de igual para igual, ele estendeu a mão para o seu inimigo, pois sabia que faziam parte de um só povo.

O gulliver, despeitado e orgulhoso, cortou fora os dedos dele. E à partir de então, a guerra não teve mais fim. Mesmo ferido, o guerreiro conseguiu vencer seu inimigo e, na terceira era, foi o primeiro gulliver a atingir o MAXSTEP (como ficou conhecido o estágio máximo de poder da alma), e assim tornou-se um anjo.